sábado, 26 de dezembro de 2015

Glória ao Rei dos Reis...

Por Suzy



  Nas proximidades havia pastores que estavam nos campos e que durante a noite cuidavam dos seus rebanhos.
 E aconteceu que um anjo do SENHOR apareceu a eles e a glória do SENHOR reluzindo os envolveu; e todos ficaram apavorados.
 Todavia o anjo lhes revelou: "Não temais; eis que vos trago boas notícias de grande alegria, e que são para todas as pessoas:
 Hoje,  na cidade de Davi, vos nasceu o Salvador, que é o Messias, o SENHOR!
 Isto vos servirá de sinal:encontrareis um recém-nascido envolto em panos e deitado sobre uma manjedoura".
 E no mesmo instante, surgiu uma grande multidão do exército celestial que se juntou ao anjo e louvaram entoando:
 "Glória a Deus nos mais altos céus, e paz na terra às pessoas que recebem a sua graça!"(Lc 2:8-14)

O cenário "in loco" do nascimento de Jesus Cristo, é de inexorável humildade,mas é necessário entendermos que não só o local de seu nascimento se enquadra nessa perspectiva, ou seja, sendo a segunda Pessoa da Trindade vir ao mundo nascido de mulher já seria de tamanha humildade. Entretanto, encontramos ainda no decurso desse nascimento um ambiente carente,  família pobre, e em uma nação subjugada. No entanto, era o momento certo, a família certa, o país ideal para o nascimento do Rei da Glória, era o tempo de Deus, como lemos em Gl 4:4 " Todavia quando chegou a plenitude dos tempos, Deus enviou seu Filho, nascido de mulher, nascido também debaixo da autoridade da Lei"; todos esses fatores foram favoráveis a vinda do Messias, Deus estabeleceu ao longo dos séculos o cenário favorável a "plenitude dos tempos".

Todavia, a glória de Cristo se manifestou em meio a tão profunda humilhação: " ...e a glória do SENHOR reluzindo os envolveu...". Naquela manjedoura nasceu o Filho de Deus, o Senhor do céu e da terra, e sua glória e majestade é de eternidade a eternidade.

Solus Christus!







quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

Os Libertinos






Os libertinos existem há muito tempo dentro da Igreja Cristã. Não vamos confundi-los com aqueles que procuram a liberdade da escravidão do pecado, da carne, do mundo e da lei, que é a liberdade cristã propriamente dita, encontrada em Cristo. Nesse sentido, todo crente verdadeiro é livre, ao mesmo tempo em que é escravo de Deus e servo dos seus semelhantes. Paulo fala disso em Romanos 6.

Os libertinos são diferentes. Eles também falam da liberdade cristã, da liberdade de consciência e da liberdade da lei, só que querem também ser livres de Deus e do próximo. Não percebem a liberdade dada por Cristo como estímulo para viver em obediência a Deus e serviço ao próximo, mas como uma licença para fazerem o que tiverem vontade.

Nós os encontramos em todos os períodos da Igreja. Quem não lembra de Balaão, o falso profeta que ensinou os filhos de Israel a se prostituir com as cananitas e a praticar a religião delas, como se fosse algo aceitável a Deus? (Num 31.16).

Encontramos os libertinos infiltrados nas comunidades cristãs primitivas, ensinando que a graça de Deus permitia ao cristão a participação nos sacrifícios pagãos oferecidos nos templos. Paulo encontrou um grupo de libertinos em Corinto, que achava que tudo era lícito ao crente, inclusive participar dos festivais pagãos oferecidos nos templos dos idólatras (1Cor 8—10). O livro de Apocalipse menciona os nicolaítas e os seguidores de Jezabel, grupos libertinos que ensinavam os cristãos a participar das “profundezas de Satanás” (Ap 2.24). Menciona também a “doutrina de Balaão”, que parece ter sido uma designação relativamente comum no séc. I para os libertinos (cf. Ap 2.14). Judas escreveu sua carta para denunciar e enfrentar “certos indivíduos que se introduziram com dissimulação... homens ímpios, que transformam em libertinagem a graça de nosso Deus e negam o nosso único Soberano e Senhor, Jesus Cristo” (Judas 4).

Na época da Reforma, Calvino referiu-se em uma de suas cartas ao partidos dos libertinos na igreja de Genebra, que usava a “comunhão dos santos” para troca de esposas (mencionado no livro de Piper, Alegria Soberana).

Os libertinos modernos não são diferentes e mantém basicamente as mesmas características dos libertinos denunciados no Novo Testamento, particularmente na carta de Judas, a saber:

1. Os libertinos estão introduzidos nas igrejas e comunidades cristãs, mesmo não sendo verdadeiros crentes em Cristo Jesus, dissimulando suas crenças e práticas até se sentirem seguros para manifestar abertamente o que são. Eles estão presentes nos cultos e festividades como “rochas submersas” (Jd 12), que representam um perigo para a navegação.

2. São pessoas ímpias – isto é, sem piedade pessoal, sem temor a Deus e sem verdadeiro relacionamento com o Senhor Jesus Cristo  – que se apresentam travestidas de cristãos, usando a linguagem cristã e engajadas em práticas cristãs. São arrogantes e aduladores dos outros por interesses (Jd 16). São “sensuais” e “promovem divisões” no corpo de Cristo com suas ideias heréticas (Jd 19).

3. A doutrina libertina é que a graça de Cristo faz com que tudo seja lícito ao cristão, inclusive a prática da imoralidade – que naturalmente não é chamada por esse nome, mas por eufemismos e outros nomes, como sexo livre, amor, etc. Essa doutrina transforma essa graça em libertinagem – é daí que vem o nome “libertinos”.

4. Em última análise, a doutrina dos libertinos nega a Jesus Cristo, que sofreu na cruz para livrar seu povo não somente da culpa do pecado, mas do poder do pecado em suas vidas, conduzindo-os à santidade e pureza. Os libertinos vivem sem nenhum recato (Jd 12).

5. A fonte de autoridade para essa doutrina não é a Escritura, que em todo lugar condena a imoralidade, a concupiscência, a prostituição e o adultério, mas suas experiências pessoais. Judas chama os libertinos de “sonhadores alucinados que contaminam a carne” (Jd 8). O "cristianismo" dos libertinos não é oriundo da revelação de Deus nas Escrituras, mas é fruto da sua mente carnal, “instinto natural, como brutos sem razão” (Jd 10).

Falando claramente e sem rodeios, os libertinos presentes nas igrejas e comunidades evangélicas não veem nada de errado com o sexo antes do casamento, a multiplicidade de parceiros, as relações homossexuais, a pornografia, aventuras amorosas fora do casamento, o consumo exagerado de bebidas alcoólicas, a participação dos cristãos nas diversões mundanas e absorção dos valores desse mundo no vestir, trajar, viver e andar. A agenda libertina é mais ampla do que essa e alguns libertinos são mais radicais que outros. Mas no geral, libertinos são contra qualquer sistema que tenha uma ética definida e clara e que defenda valores morais absolutos e fixos.

Libertinos costumam construir uma imagem de Jesus como uma pessoa inclusivista, que amou a todos sem distinção, jamais condenou ninguém nem se pronunciou contra o pecado de ninguém. Todavia, o Jesus libertino é diferente do Jesus da Bíblia, que o Cristianismo histórico vem anunciando faz dois mil anos.

Se Jesus foi o que os libertinos dizem, ele foi um fracasso, pois seus discípulos mais chegados se tornaram o oposto do que ele queria: Pedro passou a ensinar que a vida nas paixões carnais era pecaminosa (1Pedro 1:13-19), João passou a dizer que a paixão pelas coisas do mundo e da carne não procedem de Deus (1João 2.15-17), Tiago condenou o mundanismo (Tiago 4), o autor de Hebreus disse que temos que lutar até o sangue contra o pecado que nos rodeia (Hebreus 12.1-4) e Paulo declarou que os sodomitas e efeminados não entrarão no Reino de Deus (1Coríntios 6:9-11). Eles certamente não aprenderam essas coisas com o Jesus libertino.

Os libertinos convenientemente calam-se sobre determinadas passagens nos Evangelhos onde Jesus, ao receber prostitutas, cobradores de impostos e pecadores em geral, os ensinava a segui-lo, não cometendo mais pecados, tomando a sua cruz, negando a si próprios e se tornando sal e luz desse mundo em trevas. Nenhuma prostituta, imoral, ladrão, que conheceu Jesus e se tornou seu discípulo continuou na sua vida imoral. Zaqueu, Mateus e Madalena que o digam. 
* O Tempora, O Mores.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

O Pastorado é um Ofício




O pastorado é um dos ofícios listados em Efésios 4.11-12: “E ele mesmo concedeu uns para apóstolos, outros para profetas, outros para evangelistas e outros para pastores e mestres, com vistas ao aperfeiçoamento dos santos para o desempenho do seu serviço, para a edificação do corpo de Cristo”.

A leitura reformada dessa passagem (Calvino, Owen, Hendriksen) considera os apóstolos, profetas e evangelistas como ofícios extraordinários e temporários, dados por Cristo à Igreja para o estabelecimento de seus fundamentos. Os pastores e mestres (ou pastores-mestres) são ofícios ordinários, concedidos à Igreja durante todo o tempo entre a primeira e segunda vindas do Senhor Jesus.

O termo ofício possui, no âmbito eclesiástico, um sentido especial: uma função relacionada ao governo e pastoreio da Igreja (daí os oficiais, presbíteros docentes, regentes e diáconos). Tal uso diferenciado é necessário mas pode gerar um mal-entendido. É possível sublimar tanto o significado desta palavra ao ponto de esquecer-se de seu sentido primordial.

Ofício é, essencial e primariamente, um lugar de atuação na sociedade, um serviço ou trabalho. Nesse sentido os antigos falavam do ofício de carpinteiro, de escrivão, de alferes ou de médico. Em suma, um ofício é aquilo que hoje denomina-se profissão.

A espiritualidade das profissões

O que é uma profissão? Um espaço para o cumprimento dos mandados da Criação. Uma profissão não aponta meramente para uma ocupação ou um emprego, mas para uma divina vocação. Assim sendo, todos os seres humanos — não apenas os ministros da Igreja — são vocacionados. No exercício dos diversos ofícios o Senhor é cultuado, o próximo é servido e a cultura é marcada pelo testemunho do Criador. Tais cogitações produzem, necessariamente, alguns desdobramentos.

Primeiro, o exercício de todas as profissões honestas é para a glória de Deus. Cada atividade na esfera dos trabalhos humanos pode ser empreendida como culto e evangelismo (1Co 10.31; Cl 3.22-24). Não são apenas os pastores, presbíteros e diáconos que prestarão contas pelo trabalho que realizaram no âmbito na Igreja. Todos os cristãos responderão pelo modo como desenvolveram suas atividades educacionais e profissionais, uma vez que, no sentido lato, todos possuem (ou pelo menos deveriam possuir) ofícios.

Segundo, o trabalho é, de fato, dádiva sublime e direito inalienável (Gn 2.15). Não possuir um ofício é uma aberração existencial. O desemprego é um pecado que afronta ao Criador. Governos agem de maneira ímpia quando, na condução de suas políticas econômicas, induzem juros altos, que sufocam novos empreendimentos, produzem recessão, aumentam o endividamento da população e empurram os trabalhadores para a informalidade. Deus é provocado à ira quando os habitantes de uma nação não têm acesso a educação de qualidade ou quando são promovidas políticas de crescimento desordenado das cidades, sem a necessária estrutura para absorção da nova massa de trabalhadores. Ao mesmo tempo, a iniciativa de ensinar ofícios é bíblica e nobre.

Terceiro, o pastorado é, na essência, um trabalho. O pastorado possui distinções transcendentes, altamente espirituais, mas, em suma, é um ofício, um serviço prestado a Deus que possui suas peculiaridades, assim como as outras profissões. Alguém poderá retrucar afirmando que o ministério pastoral se diferencia pelo fato de exaltar a doutrina divina e contribuir para a expansão do reino. Respondo dizendo que um juiz trabalhista, no desempenho honesto e destemido de sua vocação, também exalta ao Senhor, dá testemunho do poder do evangelho e confirma a presença do reino na cultura. A dignidade da função não é encontrada no ofício em si, mas no Senhor que concede os talentos e a vocação.

O trabalho não é o centro da vida

Há de considerar-se, nesse ponto, que todo ofício tem sua legitimidade e, ao mesmo tempo, suas limitações. Todo trabalho deve ser desenvolvido como parte do gracioso projeto de Deus para a vida humana, mas, simultaneamente, deve ser dito que ninguém encontra seu centro de satisfação no trabalho em si, mas em Deus que o concede. Essa é uma outra maneira de dizer que — mesmo nós pastores — devemos trabalhar para viver e não viver para trabalhar.

Deve ser lembrado que os ofícios são passageiros. Haverá o dia em que as forças faltarão, a própria Igreja exigirá — e com razão — um obreiro mais novo, os filhos sairão de casa e só restarão o pastor jubilado e sua esposa, ambos idosos, com uma parcela significativa de vida ainda pela frente. É a dificuldade em compreender isso que produz, nos profissionais das mais diversas áreas, a crise pós-aposentadoria ou, nos casais cujos filhos saíram recentemente de casa, a síndrome do “ninho vazio”.

Essa é a razão pela qual Deus estabeleceu um padrão de rotina vivencial demarcada por lacunas denominadas “descansos”. Um dia em cada sete foi separado para revigoramento da mente, corpo, emoções e fé (Gn 2.1-3; Êx 20.8-11). Isso indica que explodir a saúde, destruir os relacionamentos íntimos e familiares, isolar-se ao ponto de não desenvolver amizades profundas ou trabalhar exageradamente ao ponto de não ter tempo para a devoção, saudável diversão e oxigenação do corpo ou da alma — nada disso é prescrito por Deus nas Sagradas Escrituras. Tais coisas são valorizadas pela sociedade capitalista orientada para a produtividade ou pelo arremedo de Cristianismo centrado em mártires e heróis ascéticos, mas passam longe do padrão bíblico de vida com Deus.

O mito doentio do paladino da fé

Se isso é assim, não é errado o pastor trabalhar honesta, equilibrada, responsável, fervorosa e eficazmente, mas sem exageros ou heroísmos personalistas. O ideal do pastor que morre pelo trabalho eclesiástico é uma distorção da doutrina bíblica do ministério. Deus deseja que estejamos prontos a entregar nossas próprias vidas por ele e seu reino; não pelo trabalho.

Dentro do sistema de governo presbiteriano, pastores não são membros da igrejas locais, mas dos presbitérios. Nas igrejas locais, os pastores passam e os presbíteros permanecem. Se partirmos desse fato, o lógico seria pedir dos presbíteros que estivessem dispostos a anular-se a si mesmos e entregar-se fanaticamente aos trabalhos eclesiásticos, mas ninguém espera que um presbítero morra pelos trabalhos da igreja, mas espera-se — ainda que inconscientemente — isso do pastor. Um profissional de comunicação viciado em trabalho é submetido a um tratamento psicológico. Um pastor viciado em trabalho é celebrado como paladino da fé e ganha um prédio com o seu nome, após o seu falecimento (normalmente precoce). Isso não é bíblico nem saudável.

É claro que muitos dos apóstolos morreram martirizados. Mas não foram apenas os apóstolos; os cristãos de modo geral foram perseguidos nos primórdios da história da Igreja e também recentemente, nas experiências comunistas da antiga União Soviética e China, nos confrontos com os muçulmanos na Indonésia ou mesmo na evangelização de etnias animistas em campos missionários. O martírio é uma possibilidade a todo discípulo maduro de Jesus Cristo, mas isso não significa que a doença ou a morte prematura devam ser buscadas. Cristãos — e pastores estão incluídos aqui — devem ser bons mordomos de suas mentes, corpos, família e recursos, testemunhando sobre a libertação, transformação e santificação promovidas pela graça de Deus, demonstrando o que significa desfrutar da vida abundante prometida pelo Redentor.

Diversão, vida pessoal e trabalho

Se isso é assim, não é errado o pastor divertir-se. Ele pode dar risadas, aliviar o estresse, viajar, dedicar-se a passatempos, praticar esportes, ouvir música, passear com a família e relaxar. Pastores são seres humanos que precisam de refrigério.

Se isso é assim, não é errado o pastor saber dividir entre sua vida pessoal, familiar e as tarefas da Igreja, considerando-as dessa forma mesmo, como tarefas e não como o centro de sua vida.

Assim como é legítimo que um funcionário público tenha projetos pessoais fora do âmbito de sua repartição, é legítimo que o pastor desenvolva, com sabedoria e equilíbrio, projetos que não tenham necessariamente a ver com os trabalhos da Igreja. Destarte, é descabido exigir, para contratação ou permanência de um pastor em um campo, que ele abra mão de qualquer projeto pessoal e assuma como centro do universo somente as atividades e exigências da Igreja. Isso é antibíblico, cruel e desumano.

O pastor é, como todo trabalhador, um profissional que precisa desenvolver-se de acordo com a semelhança de Cristo. Isso não significa, porém, anulação da individualidade. O pastor possui vida pessoal, sonhos pessoais, anseios humanos normais que não se relacionam com as tarefas eclesiásticas.

Pastores são guias crentes e humanos

A liderança espiritual inclui-se no bojo do ofício pastoral. Pastores são guias de suas comunidades de fé. Eles assumem responsabilidades únicas e mui solenes. Daí a importância de termos o ministério pastoral em alta estima e elevada consideração.

Pastores lideram mostrando aos irmãos o que significa ser crente. Eles exemplificam a vida pela fé. Mas fazem isso não como titãs da espiritualidade e sim como homens. Eles demonstram como caminhar com Deus como seres humanos regenerados e santificados. Fazem isso vivendo a vida comum dos homens, não caminhando como gurus desligados das experiências, sentimentos, anseios e lutas cotidianas da congregação.

Nesse contexto, pastores demonstram como viver com Deus e para a glória de Deus; como trabalhar e descansar, como equilibrar as diversas demandas da existência depositando tudo nas mãos misericordiosas do Altíssimo. Pastores demonstram como seguir a Cristo com fé fervorosa, autêntica e, essencialmente, bíblica, ensinando a sã doutrina e corrigindo quaisquer distorções da fé e prática, inclusive os paradigmas errôneos acerca do próprio ministério pastoral.

Pastores fiéis repudiam o profissionalismo, que é a tendência de relacionar-se com a Igreja de forma mercantilista e gananciosa, ao mesmo tempo em que reconhecem que o pastorado é uma vocação entre outras, um ofício e uma profissão que deve ser exercida para a glória do Criador. Deus, não o trabalho da Igreja é o centro da vida do pastoral. Penso que o que passar disso não provém do Senhor.

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Autor: Rev. Misael Nascimento
Fonte: Somente pela graça
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terça-feira, 15 de dezembro de 2015

A Falta de Confessionalidade Como Razão do Caos Teológico Contemporâneo


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Organizar a fé em sistematizações ou resumi-la em credos não é algo somente dos séculos XVI em diante, os judeus usavam a Shema (duas primeiras seções da Torá) para professar a sua fé (exemplo encontrado em Deuteronômio 6:4-9). As várias declarações de fé encontradas no Novo Testamento (João 4:42 , 6:14, 6:69), além do Credo Apostólico datado dos primeiros séculos da igreja cristã que tinha função pedagógica para o batismo dos novos na fé e para combater as heresias da época.

Após o marco da Reforma Protestante, em 31 de Outubro de 1517, o cristianismo teria a sua principal divisão em função dos abusos encontrados em diversos pontos da doutrina da Igreja Católica Romana e, embora Lutero inicialmente não tivesse a intenção se fundar uma nova religião, mas sim purificar a igreja de tais desvios e para que ficassem claras as intenções de Lutero, as 95 teses constituíam a exposição pública e escrita dos desvios. Contudo, a resposta protestante aos abusos da ICAR gradualmente foram copilados nos Cinco Solas e também no moto Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est. Posteriormente as confissões de fé Belga (1561), Catecismo de Heidenberg (1563), Segunda Confissão Helvética (1566), Cânones de Dort (1618-1619), Confissão de Fé de Westminster (1647) e seus Catecismos Maior e Menor (1648).

Augustus Nicodemus fala que, comumente, alguns dos lemas reformados são usados e entendidos de maneira diferente em nossos dias, por exemplo, o moto Ecclesia Reformata et Semper Reformanda Est (A Igreja é reformada e está sempre se reformando). Nicodemus diz que o holandês calvinista Gisbertus Voetius (1589-1676), que escreveu tal moto na época do Sínodo de Dort, dificilmente estava se referindo a ‘igreja estar sempre mudando’, de forma que a voz passiva do “Ecclesia Reformata” lembra que o agente da reforma não é a igreja, mas sim o Espírito Santo, que leva os cristãos às Escrituras, entendendo que a verdade não muda.[1] Mas em nossos dias não é bem assim que acontece. Evocando para si a justificativa de que a igreja “está sempre se reformando”, as mais variadas aberrações entraram na igreja com a interpretação errônea que isto significava novas interpretações que não tem nenhum comprometimento com as Escrituras.

Toda falsa doutrina tem como principal argumento o recebimento de novas revelações da parte de Deus, ou seja, começam então a negar o Só a Escritura e, assim, ao contrário do que pensam ser o progresso da igreja, voltam às práticas da ICAR e regressam a uma situação de obscuridade, da qual contrasta fortemente com a iluminação do Verdadeiro Espírito que nos chama à Palavra e somente a ela. A falta de apego confessional deságua na livre interpretação pessoal dos textos bíblicos e não na livre consulta (CFW cap. 1. V), porém é necessário não menosprezar a história da Igreja, onde os Pais da Igreja se esmeraram para explicar passagens e fundamentar a fé cristã, inclusive não rejeitando a doutrina apostólica, mas se apoiando nela.

É obvio que subscrever uma confissão não é incoerente, a Bíblia é infalível, as confissões não. A autoridade das confissões é vinda da própria Bíblia, por isso, ser confessional significa entender que tal confissão é a interpretação mais harmoniosa do Sagrado Texto e isto não coloca a confissão acima das Escrituras, nem deixa de lado o lema Só a Escritura. Joel Beeke cita que os primeiros reformadores reconheciam o serviço que as confissões prestavam à igreja na adoração (tarefa doxológica), o testemunho (tarefa proclamadora), o ensino (tarefa didática) e a defesa da fé (a tarefa disciplinadora), ou seja, nas confissões a igreja declara no que ela crê.[2]

Sérios desvios doutrinários como o arminianismo, adventismo, mormonismo, liberalismo, neopentecostalismo e etc. tem aparecido pela falta de apego às confissões reformadas. Os Cânones de Dort, por exemplo, foram os cinco artigos escritos contra os seguidores dos ensinos de Armínio. Eles foram elaborados em 154 sessões durante sete meses, rejeitando os ensinos dos remonstrantes. Uma volta ao arminianismo, em função do pentecostalismo, não teria ocorrido se fosse levado em conta o trabalho do Sínodo de Dort. Talvez fosse possível evitar a força que o neopentecostalismo tem desde Charles Finney. Não obstante, Ellen G. White não teria influenciado com seus escritos a volta às praticas da lei cerimonial e civil de Israel por parte do adventismo, quem sabe Joseph Smith Jr. tivesse suas dúvidas sanadas antes das mesmas o levar a fundar a religião mórmon, ou talvez ainda mais importante nos nossos dias, o liberalismo teológico fosse apenas uma clara blasfêmia contra Deus.

Claramente o abandono das confissões da época da reforma constitui um perigo que nos fez chegar até o atual quadro de caos no meio evangélico. Somos filhos de um retorno efetivo às Escrituras, principalmente com Lutero e Calvino, mas claramente a ausência literal ou funcional do apego as confissões reformadas, como o trabalho da vida dos reformadores e dos Pais da Igreja, nos tem feito perceber a necessidade da ‘igreja ser reformada e sempre se reformar’. Não nesse sentido em que a Palavra é diluída nos achismos das seitas, mas no sentido de volta às Escrituras guiada pelo Espírito Santo.

É importante frisar que não se trata de tornar qualquer confissão um ídolo, mas sim tentar abandonar o ídolo da interpretação particular das Escrituras, ou seja, o ídolo do “eu”. Não há dúvidas que o espírito deste século tem usado de estratégias que se valem do argumento da comparação das confissões com a tradição romana, para diminuir a obra do Espírito ao longo da história da igreja. Confissão alguma tem caráter igual ou superior às Escrituras, inclusive as próprias confissões claramente expressam a inerrância bíblica, algo que, tanto a tradição católica nega (igualando-se a Palavra), quanto os líderes carismáticos que negam efetivamente com suas novas revelações e interpretações a autoridade bíblica.

Um cristianismo confessional, sem dúvida, expõe mais do que um credo aos de fora da comunhão, o cristianismo confessional tem contribuído para que os próprios cristãos sejam mais conhecedores da Palavra e não sejam levados por qualquer vento de doutrina que se proliferam aos montes, à medida que a volta de Cristo se aproxima. Que Deus nos dê a graça de poder encontrar na Sua Palavra a verdadeira espada do Espírito!

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Notas:
[2] BEEKE, Joel R. Vivendo para a glória de Deus. Capítulo 2: pág. 35. Editora Fiel, 2010.

domingo, 6 de dezembro de 2015

O homem, o centro do louvor...





“O cristianismo hoje está centrado no homem, ao invés de ser centrado em Deus. Deus é obrigado a esperar pacientemente, e até respeitosamente, pelos caprichos dos homens. A imagem de Deus popular atualmente é a de um Pai distraído, lutando em desespero inconsolável para levar as pessoas a aceitarem um Salvador de quem elas não sentem necessidade e em quem possuem muito pouco interesse. Para convencer essas almas autossuficientes a responderem às Suas generosas ofertas, Deus fará quase qualquer coisa; até mesmo usar técnicas de vendas e sussurrar em seus ouvidos do modo mais amigável que possamos imaginar. Essa visão das coisas é, naturalmente, uma espécie de romantismo religioso que, embora muitas vezes use termos elogiosos e por vezes embaraçosos em louvor a Deus, consegue, contudo, fazer do homem a estrela do show.” (A.W. Tozer)

domingo, 22 de novembro de 2015

Porque do céu se manifesta a ira de Deus...(João Calvino)

Romanos 1.17-23


“(18) Porque a ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens que substituem a verdade pela injustiça; (19) porque o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhos manifestou. (20) Pois, desde a criação do mundo, os atributos invisíveis de Deus – seu eterno poder e sua natureza divina – têm sido claramente vistos, sendo percebidos através das coisas criadas, de forma que tais homens são indesculpáveis; (21) porque, tendo conhecimento de Deus, não o glorificaram como Deus, nem lhe deram graças, mas seus pensamentos tornaram-se fúteis, e seus corações insensatos se obscureceram. (22) Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos, (23) e trocaram a glória do Deus incorruptível por imagens feitas segundo a semelhança do homem corruptível, bem como de pássaros, quadrúpedes e répteis.”
18. Porque a ira de Deus se revela do céu contra toda impiedade e injustiça dos homens. O apóstolo apresenta agora um argumento com base numa comparação de opostos a fim de provar que a justiça só pode ser concedida ou conferida pela instrumentalidade do evangelho, pois ele demonstra que sem este todos [os homens] estão condenados. A salvação, pois, será encontrada unicamente no evangelho. A primeira prova confirmativa que ele adiciona consiste no fato de que, embora a estrutura do mundo e a mais esplêndida ordem dos elementos deveriam induzir o homem a glorificar a Deus, todavia não há nada que o desobrigue de seus deveres. Isto é prova de que todos os homens são culpados de sacrilégio e de ignóbil e iníqua ingratidão.
Há quem sugere que esta é a primeira proposição de Paulo, de modo a iniciar seu discurso com o arrependimento; sinto, porém, que aqui é onde Paulo começa seu tema polêmico, e que o tema central foi afirmado na cláusula precedente. Seu objetivo é instruir-nos sobre onde a salvação deve ser buscada. Ele garante que só podemos obtê-la por meio do evangelho, mas visto que a carne não se humilhará voluntariamente ao ponto de atribuir o louvor da salvação exclusivamente à graça divina, o apóstolo mostra que o mundo todo é culpado de morte eterna. Segue-se deste fato que devemos reaver a vida por algum outro meio, visto que, por nós mesmos, estamos todos perdidos. Um exame criterioso de cada palavra nos será de grande valia a fim de entendermos o significado da passagem.
Alguns intérpretes fazem distinção entre impiedade e injustiça, sustentando que impiedade aponta para a profanação do culto divino, enquanto que injustiça aponta para a carência de justiça nos homens. Entretanto, visto que o apóstolo se refere a esta injustiça em imediata relação com a negligência da religião genuína, interpretaremos ambas como tendo o mesmo sentido. Toda impiedade humana deve ser considerada à luz da figura de linguagem chamada hipálage, significando a impiedade de todos os homens, ou a impiedade da qual todos os homens se acham convencidos. Uma coisa é designada através de duas expressões distintas, a saber: ingratidão em relação a Deus, visto que o injuriamos de duas formas. ̕Ασέβεια, impiedade, implica na desonra de Deus, enquanto que ἀδικία, injustiça, significa que o homem, ao transferir para si o que pertence a Deus, tem injustamente privado a Deus de sua devida honra. O termo ira, referindo-se a Deus em termos humanos como é comum na Escritura, significa a vingança de Deus, pois quando ele pune, segundo nosso modo de pensar, ele aparenta estar irado. O termo, pois, revela não a atitude emocional de Deus, e, sim, as sensações do pecador que é punido. Paulo, pois, diz que a ira de Deus é revelada do céu, conquanto a expressão do céu é tomada por alguns como um adjetivo, como se ele dissesse: a ira do Deus celestial. Em minha opinião, contudo, é mais enfático dizer: “Para qualquer parte que o homem olhe, ele não encontrará salvação alguma, pois a ira de Deus é derramada sobre o mundo inteiro e permeia toda a extensão do céu.”
A verdade de Deus significa o genuíno conhecimento de Deus, e substituir a verdade é suprimi-la ou obscurecê-la; daí serem eles acusados de latrocínio. Em injustiça é um hebraísmo, e significa injustamente [injuste], porém levamos em conta sua perspicuidade.
19. Porque o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles. Paulo assim designa qual a propriedade ou expediente para adquirirmos conhecimento acerca de Deus, e indica tudo o que se presta para anunciar a glória do Senhor, ou – o que é a mesma coisa – tudo quanto deve induzir-nos ou incitar-nos a glorificar a Deus. Isso subentende que não podemos compreender plenamente a Deus, em toda sua grandeza, mas que há certos limites dentro dos quais os homens devem manter-se, embora Deus acomode à nossa tacanha capacidade [ad modulum nostrum attemperat] toda declaração que ele faz de si próprio. Portanto, somente os estultos é que buscam conhecer a essência de Deus. O Espírito, o Preceptor da sabedoria plenária, não sem razão chama nossa atenção para o que pode ser conhecido, τό γνωστόν, e o apóstolo logo em seguida explicará como isso pode ser apreendido. A força da passagem é intensificada pela preposição in [in ipsis, em vez do simples ipsis]. Conquanto na fraseologia hebraica, a qual o apóstolo freqüentemente usa, a partícula in [em] é às vezes redundante, tudo indica que ele, nesta instância, pretendia indicar uma manifestação do caráter de Deus que é por demais forte para permitir que os homens dela escapem, visto que, indubitavelmente, cada um de nós a sente esculpida em seu próprio coração. Ao dizer: Deus lhos manifestou, sua intenção é que o homem foi criado para ser um espectador do mundo criado, e que ele foi dotado com olhos com o propósito de ser guiado por Deus mesmo, o Autor do mundo, para a contemplação de tão magnificente imagem.
20. Pois, desde a criação do mundo, os atributos invisíveis de Deus – seu eterno poder e sua natureza divina – têm sido claramente vistos. Deus, em si mesmo, é invisível, porém, uma vez que sua majestade resplandece em todas suas obras e em todas suas criaturas, os homens devem reconhecê-lo nelas, porquanto elas são uma viva demonstração de seu Criador. Por esta razão o apóstolo, em sua Epístola aos Hebreus, chama o mundo de espelho ou representação [specula seu spectacula] das coisas invisíveis [Hb 11.3]. Ele não apresenta detalhadamente todos os atributos que podem ser considerados pertencentes a Deus, porém nos diz como chegar ao conhecimento de seu eterno poder e divindade. Aquele que é o Autor de todas as coisas deve necessariamente ser sem princípio e incriado. Ao fazermos tal descoberta sobre Deus, sua divindade se descortina diante de nós, e esta divindade só existe quando acompanhada de todos os atributos divinos, visto que todos eles se acham incluídos nesta divindade.
Tais homens são indesculpáveis. Isso prova nitidamente o quanto os homens podem lucrar com a demonstração da existência de Deus, ou, seja: total incapacidade de apresentar qualquer defesa que os impeça de serem justamente acusados diante do tribunal divino. Devemos, pois, fazer a seguinte distinção: a manifestação de Deus, pela qual ele faz sua glória notória entre suas criaturas, é suficientemente clara até onde sua própria luz se manifesta. Entretanto, em razão de nossa cegueira, ela se torna inadequada. Porém não somos tão cegos que possamos alegar ignorância sem estar convictos de perversidade. Formamos uma concepção da divindade e então concluímos que estamos sob a necessidade de cultuar tal Ser, seja qual for seu caráter. Nosso juízo, contudo, fracassa aqui antes de descobrirmos a natureza ou caráter de Deus. Daí o apóstolo, em Hebreus 11.3, atribui à fé a luz por meio da qual uma pessoa pode obter real conhecimento da obra da criação. Ele tem boas razões para agir assim, pois somos, em virtude de nossa cegueira, impedidos de alcançar nosso alvo. E todavia vemos suficientemente bem para ficarmos totalmente sem justificativa. Ambas estas verdades são bem demonstradas pelo apóstolo em Atos 14.16-17, quando diz que o Senhor, em tempos passados, deixou as nações em sua ignorância, entretanto não as deixou sem testemunho (ἀμάρτυροι), visto que lhes deu do céu as chuvas e as estações frutíferas. Esse conhecimento de Deus, portanto, só serve para impedir que os homens se justifiquem, o qual difere grandemente do conhecimento que traz a salvação. Este último [conhecimento] é mencionado por Cristo, e Jeremias nos ensina a nos gloriarmos nele [Jo 17.3; Jr 9.24].
21. Tendo conhecimento de Deus. Ele claramente afirma, aqui, que Deus pôs o conhecimento de si mesmo nas mentes de todos os homens. Em outras palavras, Deus tem assim demonstrado sua existência por meio de suas obras a fim de levar os homens a verem o que não buscam conhecer de sua livre vontade, ou, seja, que existe Deus. O mundo não existe por meios fortuitos nem procedeu de si mesmo. Mas é preciso notar sempre qual o grau de conhecimento em que permaneceram, como veremos a seguir.
Não o glorificaram como Deus. Nenhuma concepção de Deus se pode formular sem que se inclua eternidade, poder, sabedoria, bondade, verdade, justiça e misericórdia. Sua eternidade se evidencia mediante o fato de que ele mantém todas as coisas em suas mãos e faz com que todas elas estejam em harmonia com ele. Sua sabedoria é percebida no fato de que ele dispôs todas as coisas em perfeita ordem. Sua bondade consiste em que não há nenhuma outra causa para que ele criasse todas as coisas, nem existe alguma outra razão que o induza a preservá-las, senão sua bondade. Sua justiça se evidencia no modo como ele governa o mundo, visto que pune os culpados e defende os inocentes. Sua misericórdia consiste em que ele suporta a perversidade dos homens com inusitada paciência. E sua verdade consiste no fato de que ele é imutável. Aqueles, pois, que pretendem formular alguma concepção de Deus, devem tributar-lhe o devido louvor por sua eternidade, sabedoria, bondade, justiça, misericórdia e verdade.
Visto que os homens têm deixado de reconhecer em Deus tais atributos, ao contrário o têm retratado imaginariamente como se fosse um fantasma sem substância, tem-se afirmado, com justiça, que eles o têm impiamente despido de sua glória. Não é sem razão que Paulo adicione que nem lhe deram graças, pois não existe ninguém que não esteja endividado para com a infinita munificência divina, e é somente por esta razão que ele nos põe na condição de eternos inadimplentes diante de sua condescendência em revelar-se a nós. Mas seus pensamentos tornaram-se fúteis, e seus corações insensatos se obscureceram, ou, seja: renunciaram a verdade de Deus e se volveram para a vaidade de seus próprios raciocínios, os quais são completamente indistinguíveis e sem permanência. Seu coração insensível, sendo assim entenebrecido, não pode entender nada corretamente, senão que se acha precipitado em erro e falsidade. Esta é a injustiça [da raça humana], ou, seja: que a semente do genuíno conhecimento foi imediatamente sufocada por sua impiedade antes que pudesse medrar e amadurecer.
22. Dizendo-se sábios, tornaram-se loucos. Comumente se infere desta passagem que o apóstolo está fazendo alusão aos filósofos que adotavam exclusivamente para si a fama de sábios. A força de seu argumento é mantida para provar que, quando a superioridade dos grandes é reduzida a nada, o povo comum fica destituído de base para supor que os homens possuem algo digno de louvor. Os intérpretes que defendem este conceito não me convencem de que foram influenciados por um raciocínio suficientemente conclusivo, pois não era peculiar aos filósofos imaginarem que possuíam sabedoria no conhecimento de Deus, mas que tal sabedoria era igualmente comum a todas as nações e classes de homens. Todos os homens têm procurado formar alguma concepção da Majestade de Deus, e imaginá-lo um Deus tal qual sua razão pudesse concebê-lo. Tal pretensão em referência a Deus, afirmo eu, não se aprende nas escolas filosóficas, senão que é algo inato e nos acompanha, por assim dizer, desde o ventre materno. É evidente que este mal tem florescido em todos os tempos, de modo a permitirem os homens a si mesmos total liberdade de engendrar práticas supersticiosas. Portanto, a arrogância que aqui se condena consiste em que, quando os homens deviam humildemente dar glória a Deus, procuraram ser sábios a seus próprios olhos e reduziram Deus ao nível de sua própria condição miserável. Paulo mantém o seguinte princípio: se alguém se aliena do culto divino, a culpa é toda sua, como se quisesse dizer: “Visto que se exaltaram soberbamente, se converteram em loucos pela justiça vingadora de Deus.” Há também uma razão óbvia que milita contra a interpretação por mim rejeitada. O erro de formar uma imagem de Deus [de affingenda Deo imagine] não teve sua origem nos filósofos, mas foi recebido de outras fontes, recebendo também daí sua própria aprovação.
23. E trocaram a glória do Deus incorruptível. Uma vez tendo imaginado Deus segundo o discernimento de seus sentidos carnais, foi-lhes impossível reconhecer o Deus verdadeiro, porém inventaram um deus novo e fictício, ou, melhor, um fantasma mitológico. O que Paulo tem em mente é que trocaram a glória de Deus. Da mesma forma como alguém poderia substituir um filho por outro, eles se afastaram do verdadeiro Deus. Nem podem ser escusados sob o pretexto de que crêem, não obstante, que Deus habita o céu, e que não   consideram a madeira como sendo Deus, e, sim, como sendo sua imagem ou representação [pro simulacro], pois formar tão grosseira idéia de sua Majestade, ao ponto de fazer uma imagem dele, se constitui num terrível insulto dirigido a Deus. Nenhum deles pode isentar-se da blasfêmia de tal pretensão, quer sejam sacerdotes, governantes ou filósofos. Até mesmo Platão, o mais primoroso entre eles, em sabedoria, procurou delinear alguma forma de Deus [formam in Deo].
A total loucura para a qual voltamos a atenção aqui consiste em que todos os homens têm pretendido fazer para si próprios uma figura de Deus. Esta é uma sólida prova de que suas idéias acerca de Deus são grosseiras e irracionais. Em primeiro plano, eles têm maculado a Majestade divina ao concebê-la de conformidade com a semelhança de homem corruptível (prefiro esta tradução em vez de homem mortal, adotada por Erasmo), visto que Paulo confrontou não só a mortalidade humana com a imortalidade divina, mas   também a glória divina incorruptível com a própria condição deplorável do homem. Além do mais, não se sentindo satisfeitos com tão profunda ofensa, eles ainda desceram às mais vis bestialidades, tornando ainda mais concreta sua estupidez. O leitor poderá ver uma descrição dessas práticas abomináveis em Lactâncio, Eusébio e Agostinho, este último em sua Cidade de Deus.

Sola Scriptura!

sábado, 7 de novembro de 2015

A idolatria nossa de cada dia


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Introdução

Todos nós somos seres religiosos. Quando Calvino disse que na humanidade há “certo senso de divindade” foi para justificar de que o homem não está imune da existência de Deus. Ou seja, todos os seres humanos creem em algum tipo de divindade. Uns creem no Deus verdadeiro outros não, até mesmo os ateus creem em algo como um ser absoluto. Essa distorção da Divindade ocorre pelo fato de que toda a humanidade se encontra debaixo do pecado, e sendo assim, com a imagem de Deus manchada, o homem busca em diversas formas adorar algo, tendo esse senso de divindade em nós, e agora já libertos do pecado pela obra vicária de Cristo na cruz, podemos dizer que ainda somos idólatras? 

Certa ocasião Lutero disse:

“As pessoas que confiam e se apoiam na sua grande habilidade, na sua inteligência, no seu poder, no seu trabalho, na sua misericórdia, nas suas amizades, na sua honra também tem deuses, mas tal deus não é o único Deus verdadeiro.” [1]

Alguns dizem que quando Lutero disse essa frase ele se dirigia aos protestantes, mostrando que a idolatria praticada por eles eram iguais a dos católicos romanos com suas imagens. Será que essa atitude condenada por Lutero não permeia a nossa vida diariamente? 


Neste artigo faremos uma análise básica daquilo que a Bíblia chama de idolatria e veremos em cada detalhe apresentado, se somos ou não idólatras.

O que é a idolatria?

Para alguns de nós idolatria é alguém se prostrar diante de alguma imagem prestando culto, atitude que quebra os dois primeiros mandamentos. No entanto, idolatria conforme a Bíblia nos mostra, não se reduz ao fato de alguém adorar uma imagem, mas como diz Wright, idolatria é:

“A tentativa de limitar, reduzir e controlar a Deus, recusando sua autoridade, constrangendo ou manipulando seu poder de agir e querendo que ele esteja disponível para servir aos nossos interesses.” [2] 

As nossas desobediências ativas aos mandamentos de Deus, aquilo que nos seduzem, confiamos, ou necessitamos e até mesmo algumas maneiras que tentamos alcançar o favor de Deus é idolatria, como mostra Waltke:


“Sempre que um crente adota um padrão de comportamento no qual desempenha certas atividades para alcançar o favor de Deus, e depois espera uma palavra divina por meio de algum sinal obscuro, creio que está nadando em águas perigosas. Cristãos que utilizam a Bíblia como um livro de magia, abrindo-a ao acaso e apontando um versículo com o dedo, chegam perigosamente perto da idolatria. Aqueles que usam 'caixinhas de promessas', com vários versículos escritos em cartões que são retirados ao acaso para atender uma certa necessidade do momento, comportam-se como os adoradores de terafins [ídolo]. [3]

Sendo assim, idolatria é tudo aquilo que toma o lugar de Deus. É aquilo que fazemos, mesmo crendo em Deus, como se nós fossemos o deus de nossa vida, nos portamos como um ser supremo fazendo do Deus Todo Poderoso algo manipulável a nossa vontade. 


1) A origem da idolatria

Será que a origem da idolatria, ou melhor, o primeiro ato idólatra que a Bíblia relata é em Gn 11.27, 28 que, segundo Josué, era ali onde Abraão servia a outros deuses (cf. Js 24.2)? Não! Como nós vimos anteriormente, o fato de alguém ser um idólatra não quer dizer que, necessariamente, tenha que se prostrar diante de uma imagem, mas, simplesmente, desobedecer a Deus e obedecer alguma outra coisa. Portanto, na história bíblica o primeiro ato de idolatria – mesmo sem o texto mencionar – foi o ato de rebeldia de Adão e Eva. 

Adão e Eva foram criados por Deus para refletirem à Sua imagem, e essa imagem deveria ser mostrada pela obediência a Deus de não comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, de guardar e cultivar o jardim e de ser uma família – esses três aspectos é o que chamamos de Mandato Espiritual, Mandato Cultural e Mandato Social – (Gn 2.15-25). 

Após o relato da criação do primeiro casal, a Bíblia nos mostra que Adão não cumpriu com o que fora ordenado por Deus (Gn 2.16,17), mas passou de guardião da criação para escravo da criação e de servo de Deus para ser fiel ao Diabo.

Aquilo que o Diabo oferece ao casal – de ser igual a Deus – parecia ser uma proposta tentadora, pois, ser igual a Deus, na menor das hipóteses, é tomar as nossas próprias decisões baseadas em nós mesmos, como se fôssemos senhores de nós mesmos e foi isso que Adão fez, pois Deus dissera que se ele comesse do fruto ele morreria, já o Diabo disse que se ele comesse do fruto seria como Deus. A proposta do Diabo foi verdadeira, pois o próprio Deus confirma (Gn 3.22). No entanto, Satanás não disse toda a verdade mostrando que tal conhecimento que eles (Adão e Eva) teriam seria benéfico, mas fora afastando o primeiro casal (e posteriormente toda a criação) de Deus.

Mas será que tal explicação não é forçar demais o texto e dizer que Adão e Eva foram idólatras? Um texto que pode nos ajudar a entender a queda de Adão é Ezequiel 28, que relata o juízo de Deus sobre o Rei de Tiro, de forma poética (ou prosa):

“Filho do homem, dize ao príncipe de Tiro: Assim diz o Senhor DEUS: Porquanto o teu coração se elevou e disseste: Eu sou Deus, sobre a cadeira de Deus me assento no meio dos mares; e não passas de homem, e não és Deus, ainda que estimas o teu coração como se fora o coração de Deus (cf. Gn 3.5). Estiveste no Éden, jardim de Deus (cf. Gn 2.15); de toda a pedra preciosa era a tua cobertura: sardônia, topázio, diamante, turquesa, ônix, jaspe, safira, carbúnculo, esmeralda e ouro; em ti se faziam os teus tambores e os teus pífaros; no dia em que foste criado foram preparados (cf. Gn 2.10-12). Tu eras o querubim, ungido para cobrir (Gn 2.15), e te estabeleci; no monte santo de Deus estavas, no meio das pedras afogueadas andavas. Perfeito eras nos teus caminhos, desde o dia em que foste criado, até que se achou iniquidade em ti (cf. Gn 3.6). Na multiplicação do teu comércio encheram o teu interior de violência, e pecaste; por isso te lancei, profanado, do monte de Deus (cf. Gn 3.23), e te fiz perecer, ó querubim cobridor, do meio das pedras afogueadas (Ez 28.2,13-16 – itálico acrescentado) [4]

Sendo assim, o mesmo pecado que este rei cometera é o mesmo que Adão praticara: egolatria. O ego do ser humano é a causa da nossa desobediência a Deus e obediência a nós ou a outro, a qual, segundo as suas ofertas, se encaixa perfeitamente naquilo que nos satisfaz, pois se olharmos para Adão e este rei, Deus os colocara em lugar de destaque, mas eles não ficaram felizes com o que Deus dera, e tentaram ser igual a Deus, como mostra Beale:


“[Trocando a] sua fidelidade a Deus pela fidelidade a ele próprio e talvez também a Satanás.” [5]

Pois, o ego ou orgulho, como mostra Agostinho:


“É o começo de todo pecado.”

E também, Pondé, quando diz:


“Fora os ídolos esculpidos, qual é o erro da idolatria? É adorar sua própria capacidade, esquecendo que somos seres insuficientes.” [6]

Essa ideia de “seres insuficientes” pode ser visto em Sartre, segundo o Profº Franklin Leopoldo [7], de que a liberdade pregada por Sartre faz do homem um deus constituindo um drama, pois tal autonomia deixa o homem entre aquilo que ele já foi e aquilo que ele deseja ser e ainda não, e neste meio termo resta uma coisa a ser analisada, que somos um “nada”.

Portanto, quando agimos de maneira autônoma estamos mostrando a nossa ingratidão a Deus e ao mesmo tempo sendo infiel a Ele. Não obstante, a nossa autonomia é contraditória pois faz com que nos apeguemos a algo sendo dependente dela para ser autônomo. 


2) Idolatria no Antigo Testamento

Não terás outros deuses diante de mim. Não farás para ti imagem de escultura, nem alguma semelhança do que há em cima nos céus, nem em baixo na terra, nem nas águas debaixo da terra. Não te encurvarás a elas nem as servirás; porque eu, o Senhor teu Deus, sou Deus zeloso, que visito a iniquidade dos pais nos filhos, até a terceira e quarta geração daqueles que me odeiam.” (Êx 20.3-5)

Todas as vezes que falamos de idolatria os dois primeiros mandamentos são os mais lembrados por nós quando tratamos do assunto. Esses mandamentos, resumidamente, significam que todo ato de adoração, pertencida a Deus, dada a alguma imagem ou outra coisa é idolatria. E foi justamente isso que os israelitas fizeram:


Fizeram um bezerro em Horebe e adoraram a imagem fundida. E converteram a sua glória na figura de um boi que come erva. Esqueceram-se de Deus, seu Salvador, que fizera grandezas no Egito.” (Sl 106.19-21)

A segunda passagem em evidência é quando nos lembramos do tema do Salmo 115.4-8:


Os ídolos deles são prata e ouro, obra das mãos dos homens. Têm boca, mas não falam; olhos têm, mas não vêem. Têm ouvidos, mas não ouvem; narizes têm, mas não cheiram. Têm mãos, mas não apalpam; pés têm, mas não andam; nem som algum sai da sua garganta. A eles se tornem semelhantes os que os fazem, assim como todos os que neles confiam.

Este Salmo, assim como o Salmo 135-15-18, mostra que os ídolos são mudos, cegos e surdos e todo aquele que os adora se torna semelhante a eles.


E este é um ponto importante para prestarmos atenção, pois como parte do juízo de Deus sobre o idólatra, Deus faz que idólatras se tornem semelhantes aos seus ídolos (cf. Sl 115.8). E essa condenação foi justamente a que Deus anunciara ao profeta Isaias sobre uma nação idólatra (cf. Is 1.29-31; 2.8,18,19):

“Então disse ele: Vai, e dize a este povo: Ouvis, de fato, e não entendeis, e vedes, em verdade, mas não percebeis. Engorda o coração deste povo, e faze-lhe pesados os ouvidos, e fecha-lhe os olhos; para que ele não veja com os seus olhos, e não ouça com os seus ouvidos, nem entenda com o seu coração, nem se converta e seja sarado.” (Is 6.9,10 – itálicos acrescentados). 

Portanto, a idolatria mostra que tal pessoa está morta espiritualmente, pois, não ouvem e nem enxergam. Logo, se adorarmos algo que não seja Deus, Ele nos entrega às mesmas condições que esses ídolos como forma de juízo.  Em contraste aos ídolos mudos que nada são, o Deus Soberano possui vida porque Ele é o doador da vida:


“Aquele que fez o ouvido não ouvirá? E o que formou o olho, não verá? Aquele que argui os gentios não castigará? E o que ensina ao homem o conhecimento, não saberá? O Senhor conhece os pensamentos do homem, que são vaidade.” (Sl 94.9-11).

3) A idolatria no Novo Testamento


Até aqui vimos alguns pontos do que a Bíblia, no Antigo Testamento, ensina sobre idolatria. Será que o tema idolatria se relaciona com o Novo Testamento e com a comunidade da Nova Aliança? Pois, se nós, nos dias de hoje, olharmos para algumas sociedades a idolatria ainda permeia a cultura delas. 

As pessoas que confiam em horóscopos se assemelham muito ao pecado de Israel cometido contra Deus (2Rs 21.3-6). Será que os judeus da época de Jesus, por exemplo, não eram idólatras como os seus antepassados? Sim, eles eram idólatras, mas a sua idolatria manifestavam de maneira diferente, como veremos adiante. 

3.1. A tradição

“E, acercando-se dele os discípulos, disseram-lhe: Por que lhes falas por parábolas? Ele, respondendo, disse-lhes: Porque a vós é dado conhecer os mistérios do reino dos céus, mas a eles não lhes é dado; Porque àquele que tem, se dará, e terá em abundância; mas àquele que não tem, até aquilo que tem lhe será tirado. Por isso lhes falo por parábolas; porque eles, vendo, não veem; e, ouvindo, não ouvem nem compreendem. E neles se cumpre a profecia de Isaías, que diz: Ouvindo, ouvireis, mas não compreendereis, e, vendo, vereis, mas não percebereis. Porque o coração deste povo está endurecido, E ouviram de mau grado com seus ouvidos, E fecharam seus olhos; Para que não vejam com os olhos, E ouçam com os ouvidos, e compreendam com o coração, e se convertam, e eu os cure.” (Mt 13.10-15) 

Perceba que o juízo que Jesus pronuncia sobre o povo de sua época é o mesmo do profeta Isaías. Sendo assim, sobre que idolatria Jesus condenara? O Evangelista Marcos responde:


“E ele, respondendo, disse-lhes: Bem profetizou Isaías acerca de vós, hipócritas, como está escrito: Este povo honra-me com os lábios, Mas o seu coração está longe de mim; Em vão, porém, me honram, Ensinando doutrinas que são mandamentos de homensPorque, deixando o mandamento de Deus, retendes a tradição dos homens; como o lavar dos jarros e dos copos; e fazeis muitas outras coisas semelhantes a estas. E dizia-lhes: Bem invalidais o mandamento de Deus para guardardes a vossa tradição.” (7.6-9  itálicos acrescentados). 

Quando Jesus cita Isaías 29, sabia que o mandato profético de Isaías 6 se cumprira em Isaías 29.9-14 e 63.17,[8] assim podemos entender o que o profeta Isaías tinha predito sobre sua nação que prefiguravam aquilo que ocorreria no Novo Testamento. Sendo assim, podemos ver que o pecado de idolatria cometido pelos judeus da época de Jesus era invalidar a Palavra de Deus em nome de suas tradições, ou daquilo que chamamos de “boa intenção”. No entanto, a “boa intenção” da tradição, quando nos leva a desobedecer a Deus é pecado. Veja, por exemplo, o caso do Rei Saul que recebera a ordem de Deus para destruir todos os amalequitas e seus animais (1Sm 15.3,8). Não obstante, Saul poupou “tudo o que era bom” (1Sm 15.9) para “oferecer ao Senhor” (v.19). A “boa intenção” de Saul não agradou a Deus, pois Deus o respondera: “Não cumpriu as minhas palavras” (v.11), que é a mesma coisa de invalidar “o mandamento de Deus” (Mc 7.9). Mas alguém poderia dizer: “sacrificar animais não era mandamento de Deus?”. Sim. No entanto, a ordem de Deus era eliminar tudo e Saul não obedecera e, ainda mais, criou para si um estilo próprio e regra de adoração não obedecendo a Deus. 


Portanto, invalidar ou desobedecer a Palavra de Deus é pecado de idolatria, assim como Saul o fez (cf. 1Sm 15.23) os judeus da época de Jesus também o fizeram. 

3.2. A glória dos homens

Outra passagem a qual também cita Isaías 6 é João 12.37-43:

“E, ainda que tinha feito tantos sinais diante deles, não criam nele; Para que se cumprisse a palavra do profeta Isaías, que diz: Senhor, quem creu na nossa pregação? E a quem foi revelado o braço do Senhor? Por isso não podiam crer, então Isaías disse outra vez: Cegou-lhes os olhos, e endureceu-lhes o coração, A fim de que não vejam com os olhos, e compreendam no coração, E se convertam, E eu os cure. Isaías disse isto quando viu a sua glória e falou dele. Apesar de tudo, até muitos dos principais creram nele; mas não o confessavam por causa dos fariseus, para não serem expulsos da sinagoga. Porque amavam mais a glória dos homens do que a glória de Deus.”

A passagem acima faz duas referências a Isaías. Uma (Is 53.1) para indicar o cumprimento de que Israel não creria no servo, e a menção de Isaías 6 indica o cumprimento de juízo sobre aqueles que não creram. E, sendo assim, a preferência pela glória dos homens do que à glória de Deus é uma prova de idolatria. Pois, eles rejeitaram o Filho de Deus e Seus sinais, se assemelhando mais aos homens do que a Deus, preferindo a glória dos homens à glória de Deus.


J.C. Ryle comenta:

“O temor dos homens os impede de abandonar seu caminho. Têm receio de serem zombados, escarnecidos e desprezados pelo mundo. Odeiam perder a boa reputação da sociedade e o julgamento favorável de homens e mulheres semelhantes a eles.” [9]

4) Como identificar os nossos ídolos?


Será que possuímos ídolos que precisam ser identificados ou nenhuma das explicações anteriores se encaixa no nosso dia a dia? Às vezes nós temos a tendência de que detalhes não são importantes, pois são “meros detalhes”, e sempre nos atentamos para coisas maiores. Mas não é assim! Toda e qualquer forma de idolatria parte do coração humano, como nós podemos ver desde o primeiro pecado que a Bíblia relata. E assim, quando olhamos para o Novo Testamento estranhamos que não haja nenhuma menção direta ao tipo de idolatria como praticada no Antigo Testamento. Não obstante, a forma que o Novo Testamento trabalha com a idolatria é mais profunda, o qual pode ser caracterizada também por palavras: desejo, concupiscência ou cobiça. E assim, nos mostra que toda idolatria praticada na Antiga Aliança, provera de um coração idólatra. 

Por isso que Jesus mostra que a quebra dos mandamentos, como por exemplo, o sétimo, vem de um coração cobiçoso (Mt 5.28). E aí nós podemos entender o que Calvino quis dizer: o coração do homem é um fábrica de ídolos. Portanto, podemos pontuar algumas coisas que, provavelmente, são formadas em nossos corações os quais nos afastam de Deus e não prestamos à atenção.

Como mostra David Powlison:

“Os ídolos do coração conduzem-nos a abandonar a Deus de muitas maneiras. Manifestam-se e expressam-se em qualquer lugar, nos mínimos detalhes na vida interior e exterior.” [10]

4.1
As coisas que nos seduzem 

Quem de nós não deseja ser reconhecido por aquilo que faz? E na verdade o problema não está em ser reconhecido por aquilo que faz, mas como alcançamos este reconhecimento e qual o motivo que nos leva a ser reconhecido.

No ramo do trabalho algumas pessoas, mesmo sem saber, estão aderindo ao Workaholic, que é uma pessoa viciada em trabalho, que faz isso não só para aumentar a sua renda, mas para alcançar um cargo maior do que ela possui. Além de ser um vício - e bem sabemos que todos os vícios são prejudiciais não só para a própria saúde, como para aqueles que estão ao nosso redor, e uma pessoa assim, para subir de posição, não mede esforços para fazer qualquer coisa para ser reconhecido, sendo possível até mesmo pisar em alguém, se esquecendo de que devemos amar uns aos outros.

Esse tipo de comportamento não se aplica somente ao trabalho, mas em qualquer área em que a pessoa seja seduzida ou tentada a obter, sendo levada pela ganância em busca de poder, glória e majestade. 

Até mesmo os discípulos de Jesus discutiram sobre quem estaria à direita e a esquerda na glória de Cristo, no entanto, a resposta de Cristo foi enfática:

“Jesus os chamou e disse: Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Pelo contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos. Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos (Mc 10.42-45).

Poder, glória e majestade pertencem a Deus (Sl 96.6). Nós fomos chamados para cumprir aquilo que Ele nos ordenou e que devemos fazer para a glória d’Ele e nunca para a nossa glória. E o primeiro passo que alguém deve dar, ao querer alcançar uma posição maior do que possui, é ser servo de todos. Portanto, que não venhamos ser seduzidos pelo poder que não pertence a nós, mas que aquilo que nos fora dado, seja feito de modo que glorifique a Deus. 


4.2 As coisas que confiamos

Toda criança, quando pequena, entende que o seu pai é o melhor, é o seu Super-Herói e isso faz a criança ter confiança quando está perto do seu pai. Quando essa criança vai crescendo, o pai vai ficando velho, dificilmente ela terá o pai como referência de confiança diante de alguma situação que possa a constranger. Sendo assim, ela passa a confiar em outra coisa, mas nunca desprezando o seu pai, e boa parte daquilo que o pai fala já não é tão verdade como antes, e isso vai se estendendo por muitos anos. Nós sempre colocamos confiança em algo temporal e, até mesmo, em algo mais fraco do que nós ou corrupto.

Alguns colocam a sua confiança no dinheiro, em seus aparelhos tecnológicos de última geração ou em si mesmo. No entanto, de uns tempos pra cá, uma antiga idolatria está se reerguendo aos poucos em nosso país: Estado Messiânico ou culto ao Estado.

Joseph Ratzinger, diz:

“Quando a política pretende ser redentora, promete demais. Quando pretende fazer a obra de Deus, não se torna divina, mas demoníaca”. [11]

Se hoje você digitar em algum site de pesquisa a palavra esquerda, direita, liberalismo e/ou comunismo acharemos vários periódicos, vídeos, livros e sites que defendam suas posições. Resumidamente, por definição, podemos dizer que a Esquerda põe o seu foco na comunidade e que a direita e/ ou liberalismo é focado no individuo.[12] 
A primeira ideologia, de longa data, coloca o Estado como totalitário sendo aquele que decide o que terá e o que vai ser de várias áreas de nossa vida pública e até privada; escola, criação de filhos, religião, trabalho e etc. A segunda, entende que o individuo é livre para escolher e agir dentro dessas áreas; isto é, sem a intervenção do Estado, mas sendo a função do Estado de proteger e garantir a propriedade privada e a liberdade. 

No entanto, qual o problema da idolatria quando se envolve a política? Primeiro, todo sistema político é formado por homens e mulheres pecadores. Segundo, se é formado  por pecadores, logo, possuem falhas. E, terceiro, teorias políticas não são Deus e o Estado não é messiânico. Se nós colocarmos a nossa esperança, com um fim supremo, num seguimento político, nós estaremos trocando a glória de Deus pela glória do Estado ou da ideologia, crendo que quem poderá nos libertar deste mal que nos cerca é alguma coisa que não é o Deus verdadeiro:

“Nenhum rei se salva pelo tamanho do seu exército; nenhum guerreiro escapa por sua grande força. O cavalo é vã esperança de vitória; apesar da sua grande força, é incapaz de salvar.” (Sl 33.16.17)

Mas aqueles que confiam no Senhor, mesmo em meio a questões que nos cercam, sabe que Deus é o nosso auxilio supremo:


“Nossa esperança está no Senhor; ele é o nosso auxílio e a nossa proteção. Nele se alegra o nosso coração, pois confiamos no seu santo nome. Esteja sobre nós o teu amor, Senhor, como está em ti a nossa esperança.” (Sl 33.20-22)

4.3 As coisas que necessitamos


O que você faz para ser feliz?” é um trecho do refrão e título da música de Clarice Falcão. A música não dá uma resposta definitiva, mas mostra que a felicidade pode estar voando num balão, dentro de você ou até mesmo debaixo do nariz.

Desde a queda a humanidade vem buscando meios para ser feliz. Alguns vão à procura de sexo, outros de amor, outros usam drogas, enfim, meios terreais e passageiros para tentar buscar sentido para a vida ou a sua felicidade. 

Isto não quer dizer que ninguém deva ser feliz, mas que a felicidade, por se tornar um ídolo, quando os meios para buscá-la, ou ela própria não fazem parte da vontade de Deus, ou seja, quando a nossa felicidade não se encontra em Deus, mas em outra coisa que nos faz mais feliz do que Deus, isso é idolatria.

No entanto, quais são os meios que buscamos felicidade? 

Além do dinheiro, um dos mais cogitados e cantados atualmente é o “amor”. Se pesquisarmos a palavra “amor” como forma de música acharemos o tema em quase todos os ritmos. Não obstante, esse amor que é tão procurado, é em forma de uma paixão não correspondida, ou em busca de sexo, ou segundo o movimento LGBT, love wins (o amor vence). Uma “legalização” de algo pecaminoso sendo propagado como algo natural. Todas essas formas da busca desenfreada pela felicidade baseada num amor, ou melhor, para ter “sucesso no amor”, é uma forma de idolatria confundindo o amor com Deus. [13]

Outras coisas que necessitamos, além do amor, é o comer, beber e vestir, os quais envolvem dinheiro. E é verdade, nós como criaturas necessitamos dessas coisas para viver. Mas a grande questão que nós não paramos para pensar é como buscamos essas coisas necessárias e o que essa busca desenfreada pela sobrevivência pode causar. Jesus, certa vez, advertiu os discípulos sobre a forma como eles buscavam essas coisas:

“Não andeis cuidadosos quanto à vossa vida, pelo que haveis de comer ou pelo que haveis de beber; nem quanto ao vosso corpo, pelo que haveis de vestir. Não é a vida mais do que o mantimento, e o corpo mais do que o vestuário? Não andeis, pois, ansiosos, dizendo: Que comeremos ou que beberemos, ou com que nos vestiremos? Porque todas estas coisas os gentios procuram. Decerto vosso Pai celestial bem sabe que necessitais de todas estas coisas.” (Mt 6.25,31,32)

Creio que muitos de nós nunca paramos para pensar, mas ansiedade é pecado de idolatria. Quando nos desesperamos, nós buscamos meios não convencionais para conseguirmos aquilo que, aqui neste mundo, são de extrema necessidade. É por isso que Jesus, em Mateus 6.19-32, nos mostra o que a ansiedade pode causar.


a) Não confiança na eternidade celestial (Mateus 6.19-24)

A Bíblia não condena a propriedade privada, ou seja, ter bens materiais. O grande problema é o apego do nosso coração a este bem (v21). E o que isso pode gerar? Esquecimento da promessa celestial (v19); tornando-nos cobiçosos (ou para um linguajar mais regional: olho gordo) (v22,23) e Idólatras (v24). 

b) Falta de confiança na providência de Deus (Mateus 6.25-34)

Como consequência lógica, aquele que não crê na eternidade celestial dificilmente crerá na providência Divina, e seus valores serão invertidos (v.25) entendendo que os bens que estão em nossas vidas sejam mais importantes que a própria vida. 

E por que ansiedade é um pecado de idolatria? Quando o nosso coração se apega fortemente naquilo que não é o Deus verdadeiro, em alguma coisa esse coração se apega. E essa entrega total do coração nos leva a trocar Deus por algo, e como diz a passagem bíblica “não podemos servir a dois senhores”, pois um sentirá ciúme do outro. Portanto, nós devemos amar a Deus sobre todas as coisas, acumular bens no céu e buscar em primeiro lugar o Reino de Deus, pois “o pão nosso de cada dia dai-nos hoje”, e como nos mostra esses textos:

“Lançando sobre ele toda a vossa ansiedade, porque ele tem cuidado de vós (1Pedro 5.7); o meu Deus, segundo as suas riquezas, suprirá todas as vossas necessidades em glória, por Cristo Jesus.” (Filipenses 4.19  itálicos acrescentados).

5) Conclusão


Vimos que idolatria não é, somente, nos prostrar diante de uma imagem, mas trocar a glória de Deus por algo, mesmo que isso venha dEle. E o que nós devemos fazer? João nos dá a resposta:

Filhinhos,  guardai-vos dos ídolos. Amém. (1João 5.21)

Simples, perceberam? É só se guardar dos ídolos. Mas como eu faço isso? Parece que o apóstolo está advertindo sobre a idolatria dos templos pagãos daquela época com suas festas religiosas, as quais Paulo enfrentou (1Co 8:10) e que, mais tarde, João ao escrever Apocalipse, enfrentou em algumas igrejas na Ásia, como Pérgamo (Ap 2.14) e Tiatira (Ap 2.20). Não obstante, todo ato idólatra acontece por não conhecer o Deus verdadeiro, e é justamente isso que João diz:


“E sabemos que já o Filho de Deus é vindo, e nos deu entendimento para que conheçamos ao Verdadeiro; e no que é verdadeiro estamos, isto é, em seu Filho Jesus Cristo. Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna.” (1 João 5.20).

Um exemplo que nós podemos dar de quando alguém não conhece ao Senhor é o caso de Juízes 2.10 o qual nos diz que a geração que não conheceu ao Senhor e nem aos Seus feitos adorou outros deuses. Por isso que João, em toda sua primeira carta, o vemos mostrando quem é o verdadeiro Cristo, o verdadeiro Deus e como devemos agir. Se não compreendermos realmente quem é Cristo e o nosso dever por causa de Sua obra em nossa vida, nós nos apegaremos aos ídolos e se entregaremos a eles colocando toda a nossa confiança.


No entanto, se entendermos que Cristo é o nosso advogado diante de Deus (1 Jo 2.1,2), santo (3.1-6), amor (4.8), o Espirito Santo (5.7) e Jesus (5.20), nós nos guardaremos dos ídolos confiando em Deus e em Sua Palavra. Amém.
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"Que possamos através desse texto de Denis Monteiro percebermos se realmente não estamos colocando alguém ou algo no lugar de Deus, ou criando em nossas mentes um deus que na verdade não é o Deus das sagradas escrituras"

Soli Del Gloria!

Suzy S. Costa